sábado, 20 de agosto de 2011

Metade das coisas que eu faria se eu fosse eu, não posso contar.

"Quando não sei onde guardei um papel importante e a procura se revela inútil, pergunto-me: se eu fosse eu e tivesse um papel importante para guardar, que lugar escolheria? Às vezes dá certo. Mas muitas vezes fico tão pressionada pela frase "se eu fosse eu", que a procura do papel se torna secundária, e começo a pensar. Diria melhor, sentir.
E não me sinto bem. Experimente: se você fosse você, como seria e o que faria? Logo de início se sente um constrangimento: a mentira em que nos acomodamos acabou de ser levemente locomovida do lugar onde se acomodara. No entanto já li biografias de pessoas que de repente passavam a ser elas mesmas, e mudavam inteiramente de vida. Acho que se eu fosse realmente eu, os amigos não me cumprimentariam na rua porque até minha fisionomia teria mudado. Como?não sei.
Metade das coisas que eu faria se eu fosse eu, não posso contar. Acho, por exemplo, que por um certo motivo eu terminaria presa na cadeia. E se eu fosse eu daria tudo o que é meu, e confiaria o futuro ao futuro.
"Se eu fosse eu" parece representar o nosso maior perigo de viver, parece a entrada nova no desconhecido. No entanto tenho a intuição de que, passadas as primeiras chamadas loucuras da festa que seria, teríamos enfim a experiência do mundo. Bem sei, experimentaríamos enfim em pleno a dor do mundo. E a nossa dor, aquela que aprendemos a não sentir. Mas também seríamos por vezes tomados de um êxtase de alegria pura e legítima que mal posso adivinhar. Não, acho que já estou de algum modo adivinhando porque me senti sorrindo e também senti uma espécie de pudor que se tem diante do que é grande demais".

(Clarice Lispector)

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Tem gente querendo me podar, tem gente querendo me castrar, tem gente querendo me catequizar!

"A mão que toca um violão
Se for preciso faz a guerra
Mata o mundo, fere a terra
A voz que canta uma canção
Se for preciso canta um hino
Louva a morte"
(Marcos Valle e Paulo Sérgio Valle)

Depois de dois dias de "terapia intensiva", tenho que desabafar: tem gente querendo me podar, tem gente querendo me castrar, tem gente querendo me catequizar! O pior de tudo é que de início eu nem percebi, sabe? Chegam de mansinho, como se não quisessem nada, falam que querem o melhor para você. Mas não respeitam aquilo que você é.

Querendo ou não, parece um projeto de destruição da minha individualidade. E o sentimento que fica, que me fica, é que estão tentando me derrubar, me por pra baixo...

Olha, cansei. Já fiquei triste, já chorei, já discuti. Depois de me sentir uma puta barata, só posso dizer que não dá mais e vou mudar de postura. Não discutirei, não chorarei... Prefiro dar risada e entrar na dança. Às vezes a loucura é a melhor saída. Nada nesse mundo tem sentido mesmo, nessa sociedade...

Se cortaram meu coração em pedaços, só digo que sou eu que irei devorá-lo...

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Ternura e delirios

Eu passei uma vida inteira tentando endurecer corpo e coração.
Passei uma existência construindo muralhas.
Construí uma torre alta, cercada de espinhos. É lá que guardei o que eu tenho de mais precioso.

Aprendi a ser assim, dura na queda. Dura. Fechada. Mas o custo foi muito alto. Quando resolvi guardar o meu tesouro, escondi também a menina adolescente que tinha. A menina que se encantava com tudo. Eu era uma menina que não tinha medo e por isso me punha a correr por caminhos desconhecidos. Era menina e tinha como amiga a ternura...

As circunstancias não são das mais amigas. e mesmo assim, eu to na tentativa de recuperar a menina e seu tesouro. Nessa empreitada, eu tenho uma amiga como conselheira e guia. Me pergunto se ela sabe como ela é incrível e se sabe como eu acho belas as histórias dela.

Essa minha amiga é uma menina em flor. E há tempos que eu penso que preciso aprender muito com ela. Aprender na imperfeição dela, juntando nossas imperfeições na tentativa de viver. Porque viver é imperfeito - e o imperfeito é lindo.